EDITORIAL - O país precisa sair da cortina de fumaça

O Brasil vive um momento em que a névoa política parece mais espessa do que nunca e, justamente por isso, pensar com frieza se torna uma necessidade vital. O país se vê diante de uma encruzilhada: deve manter sua mobilização em defesa das pautas conservadoras ou se engajar prioritariamente na defesa daquele que, nos últimos anos, se tornou o rosto dessas pautas? Essa dúvida, porém, revela um problema maior: a confusão entre a personificação das causas e as causas propriamente ditas.
Quando a agenda nacional passa a orbitar exclusivamente ao redor do destino de um único personagem, ocorre o desvio do foco. Foi isso que a prisão de Jair Bolsonaro produziu: a paralisia do debate sobre temas estruturantes, enquanto o país se digladia em torno de um porta-voz. A oposição percebeu o vácuo e, habilidosamente, reposicionou o campo de batalha. Não mais discutem as pautas, mas se beneficiam da guerra ideológica que as encobre. A polarização deixa de ser um embate de ideias e se converte em um espetáculo de cortinas de fumaça.
É inevitável reconhecer que Bolsonaro, com seus movimentos muitas vezes impensados, acabou fortalecendo mais as narrativas de seus adversários do que suas próprias bandeiras. E, quando o porta-voz se torna maior do que a pauta, perde-se a essência, perde-se o rumo, perde-se o propósito.
O Brasil precisa reencontrar o eixo. Precisa voltar a discutir princípios, valores, reformas e caminhos, e não apenas biografias. Caso contrário, corremos o risco de repetir velhos ciclos, entregando novamente o país às engrenagens de escândalos, aparelhamento e corrupção. A prioridade não deve ser proteger um personagem, mas impedir que o verdadeiro adversário das ideias conservadoras, o velho Brasil fisiológico e oportunista, continue avançando sem resistência.
Enquanto a nação insiste em reviver narrativas desgastadas, o país real segue à margem, esperando lucidez. É hora de romper o transe e recolocar as pautas no centro da mesa.
