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Artigo de Minotto sobre a PEC da Blindagem

A inconstitucionalidade e os riscos democráticos da PEC da blindagem

23 Setembro 2025 | Terça-feira 14h54
A inconstitucionalidade e os riscos democráticos da PEC da blindagem
 
Rodrigo Minotto
Advogado e deputado estadual
 
A recente aprovação pela Câmara dos Deputados da proposta de emenda à Constituição (PEC) que impede medidas cautelares e ações penais contra presidentes de partidos e parlamentares sem autorização prévia das casas legislativas representa um retrocesso democrático e uma afronta ao princípio da igualdade perante a lei, pilar do Estado de Direito.
 
Conhecida como PEC da blindagem, a proposta amplia os privilégios já concedidos aos parlamentares, como a imunidade material (art. 53, CF/88), criando um escudo institucional que compromete o combate à corrupção e a responsabilização de agentes políticos por eventuais atos ilícitos.
 
O princípio da igualdade e o desvio da finalidade da imunidade parlamentar
 
A Constituição de 1988 consagrou a imunidade parlamentar com a finalidade de assegurar a independência do Legislativo, permitindo que seus membros exerçam o mandato com liberdade de expressão e voto, sem medo de retaliação judicial. No entanto, essa prerrogativa não pode ser desvirtuada para proteger crimes comuns ou atos de improbidade administrativa.
 
A nova PEC deturpa esse instituto ao estender indevidamente essa proteção para abranger presidentes de partidos e tornar ainda mais difícil a responsabilização de parlamentares, exigindo autorização do Legislativo mesmo para medidas cautelares, como busca e apreensão ou afastamento do cargo.
 
Isso viola o art. 5º, caput, da Constituição, que consagra a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. A blindagem proposta cria uma casta de cidadãos imunes à jurisdição penal, incompatível com a lógica republicana.
 
Violação ao sistema acusatório e à separação dos poderes
 
A exigência de autorização legislativa para o prosseguimento de ações penais ou aplicação de medidas cautelares contra parlamentares e dirigentes partidários interfere indevidamente no funcionamento do Poder Judiciário, comprometendo o sistema acusatório e a separação de poderes.
 
O Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que medidas judiciais devem ser analisadas exclusivamente pelo Poder Judiciário, sem necessidade de chancela política. O modelo proposto pela PEC remete ao antigo sistema de foro privilegiado ampliado, que servia como instrumento de impunidade.
 
A Constituição de 1988 estrutura os poderes da República como independentes e harmônicos entre si (art. 2º), o que não permite a interferência do Legislativo nas funções típicas do Judiciário, como a aplicação da lei penal e processual penal.
 
Risco à efetividade da Justiça e à luta contra a corrupção
 
O Brasil é signatário de tratados internacionais de combate à corrupção, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), que exige dos Estados-parte a adoção de medidas efetivas para prevenir e punir atos ilícitos praticados por agentes públicos.
 
A PEC da blindagem contraria esses compromissos ao criar obstáculos políticos à atuação do Ministério Público e do Judiciário, favorecendo a impunidade e a morosidade processual.
 
Na prática, a exigência de aprovação do Legislativo para medidas judiciais politiza o processo penal, tornando-o refém de acordos e interesses partidários, e descredibiliza o sistema de Justiça, que já sofre com a percepção de seletividade e ineficiência.
 
Precedente perigoso e fragilização da responsabilidade política
 
A aprovação da PEC pode abrir caminho para outras tentativas de blindagem institucional, estimulando o corporativismo e o fechamento do sistema político sobre si mesmo, em desconexão com os anseios da sociedade civil por mais transparência e responsabilização.
 
Em vez de ampliar imunidades, o Congresso Nacional deveria se dedicar a reformas políticas e institucionais que fortaleçam os mecanismos de controle e garantam maior integridade na atuação pública.
 
A PEC da blindagem é inconstitucional, antirrepublicana e antidemocrática. Ao privilegiar interesses particulares em detrimento do interesse público, compromete os valores fundamentais do Estado de Direito e enfraquece a confiança da população nas instituições.
 
Não há democracia sem responsabilização. O Parlamento, enquanto representante do povo, não pode ser trincheira da impunidade. Cabe ao Supremo Tribunal Federal e à sociedade civil organizada rejeitarem essa tentativa de erosão institucional, em defesa da Constituição e da República.
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